Clientes de restaurante em Paris jantam 'como cegos'

Daniela Fernandes de Paris

 

A primeira reação é tatear o espaço à procura dos talheres

Um restaurante inaugurado recentemente em Paris oferece aos seus clientes a oportunidade de viver a experiência da vida de um cego, fazendo com que os clientes comam no mais completo escuro.

Os garçons que trabalham no restaurante Dans le Noir ("No escuro", em português) são cegos. Além de servirem os pratos, eles também atuam como guias, acompanhando os visitantes até as mesas.

Até mesmo o primeiro-ministro francês, Jean-Pierre Raffarin, já foi ao Dans Le Noir para viver a experiência de jantar no escuro total.

O restaurante, situado no bairro de Les Halles, próximo ao Centro Georges Pompidou, está fazendo bastante sucesso em Paris: é preciso reservar com pelo menos três dias de antecedência uma mesa para jantar.

Experiência

O objetivo dos proprietários, um ex-banqueiro e um consultor em marketing social, é fazer com que as pessoas vivam, por algumas horas, momentos do dia-a-dia de um cego.

Antes de entrar na sala totalmente escura, os clientes deixam em armários com cadeados, no bar do restaurante, relógios, isqueiros, celulares e qualquer outro objeto que emita a mínima luz.

Os pratos também são escolhidos antes de entrar no recinto escuro. Entre as opções, há ainda o "menu surpresa", que só será descoberto quando o garfo for levado à boca.

Os clientes passam por três espaços diferentes, separados por cortinas, onde a luz vai diminuindo progressivamente até chegar ao recinto escuro. Após a última cortina, o escuro é total e o barulho intenso.

Os clientes falam alto, possivelmente para compensar com a audição a falta da visão. Com freqüência, as pessoas são "convidadas" por meio de "psssss" a baixar o volume da voz.

Ao jantar no escuro total, os clientes não são informados antes que haverá outras pessoas à mesma mesa.

Ao serem instalados, a primeira reação é tatear o espaço à procura dos talheres, copos e guardanapos.

'Ridículo'

O paranaense Élcio Ramalho, que pediu o "menu surpresa", diz que conseguiu identificar facilmente o que foi servido (peixe com arroz, no prato principal), mas que a grande dificuldade é saber a quantidade que deve ser colocada no garfo e como levá-lo à boca sem derrubar a comida.

"Nos sentimos um pouco ridículos. De uma certa forma, esse é o momento mais triste, já que mantemos psicologicamente as noções de etiqueta na hora de comer", diz ele.

Nem todos se divertem com a experiência de comer no escuro

Élcio afirma que a primeira sensação ao entrar na sala e ficar sem visão é assustadora. "Mas depois as pessoas começam a se adaptar e acabam criando mecanismos para vivenciar a situação."

Segundo ele, o paladar fica muito mais aguçado em razão da falta de visão. "A visão é muito importante na hora de comer. Normalmente olhamos um prato e ele nos parece bom ou não e o paladar confirma o que temos em mente. Neste restaurante, como não dispomos da visão na hora de comer, fica apenas o paladar", diz Élcio.

A francesa Catherine Périgord, que também teve a curiosidade de comer no escuro total, diz que a experiência é bastante enriquecedora. "Estava muito ansiosa, mas depois me senti serena na sala escura", afirma.

Catherine afirma que sempre teve medo de perder a visão, mas que depois dessa experiência ela não considera mais a cegueira como algo terrível.

Choro

Nem todos os clientes se divertem, no entanto, com a experiência de comer no escuro.

A garçonete portuguesa Céline dos Santos, que é cega, diz que alguns deles têm crise de angústia ou deixam o local chorando.

No país da alta gastronomia, alguns franceses dizem ainda que não comeriam em um local onde não é possível enxergar o que está no prato.

O restaurante, que pode servir até 60 clientes, está sempre lotado no horário do jantar, quando as pessoas têm mais tempo para esse tipo de aventura.

Para os que hesitam em viver a experiência, o Dans Le Noir tem ainda um lounge e um bar, iluminados normalmente