quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Alunos criam futebol caranguejo para jogar com cadeirante

Escolas municipais de Curitiba têm sido bem sucedidas no atendimento a alunos com formas diferentes de caminhar, deslocar-se, escrever, falar ou brincar. O acesso a crianças com deficiências ou altas habilidades (superdotação) a escolas comuns, exigido por lei federal, tem revelado bons resultados na rede municipal de ensino. São 176 escolas do ensino fundamental, onde estão matriculadas 100 mil crianças, adaptadas ao formato pedagógico para atender as necessidades especiais de 752 meninos e meninas com deficiência física, intelectual, visual, auditiva. 

Na Coordenadoria de Atendimento às Necessidades Especiais da Secretaria Municipal da Educação, Iaskara Maria Abrão, diz que os profissionais envolvidos no processo de educação – diretores, professores, pedagogos, psicólogos etc – têm suas tarefas diárias enriquecidas pelos desafios trazidos com a inclusão educacional.

"Todos saem ganhando, com mais informações, e as escolas têm um bom exercício de cidadania", afirma. Sua experiência indica que estudar em escolas comuns faz bem ao desenvolvimento dos alunos com deficiência, especialmente. "As crianças têm mais possibilidades de aprendizado, troca de experiências com outras crianças, desenvolvimento de novas habilidades e descobertas", diz Iaskara. 

A Prefeitura de Curitiba oferece cursos permanentes de formação no atendimento aos alunos com deficiência, como leitura em Braille, libras (a linguagem dos sinais), sorobã (método usado pelos deficientes visuais para cálculos matemáticos, com ábaco). A Secretaria Municipal da Educação mantém três escolas especiais, com 856 alunos com deficiência matriculados. 

Luiz Costa/SMCS


Futebol caranguejo – O cadeirante Marcelo de Freitas Carvalho, 15 anos, é um exemplo de inclusão educacional bem sucedida. Os seus colegas do 5º ano da Escola Municipal Professora Sonia Maria Coimbra Kenski, em Santa Felicidade, jogam futebol arrastando-se pelo gramado do campo, acompanhando os movimentos do menino, que é o goleiro do seu time. É o "futebol caranguejo", modalidade inventada pelo professor Leonardo de Carvalho, que tem em seu currículo diversos cursos para a inclusão de pessoas com deficiências em aulas de Educação Física. 

No "futebol caranguejo", as regras são as mesmas do futebol comum, mas os jogadores chutam e disputam animadamente a bola sentados no chão. Começou a ser praticado neste ano, quando Marcelo – com problemas de locomoção e de fala, sequelas de falta de oxigenação no cérebro durante o parto - chegou transferido de uma escola frequentada por alunos especiais. A novidade fez e faz a alegria geral da criançada, não só do Marcelo. Acompanhando o comportamento do grupo, a integração, a alegria, o jovem professor Leonardo não tem dúvidas: "Ele ensinou mais para a gente do que a gente pra ele". 

O menino, aluno aplicado, apaixonado por Matemática, cursa o 5º ano do ensino fundamental, apoiado por um esquema pedagógico especial. Marcelo tem uma professora exclusiva, para reforçar seu rendimento escolar. A professora Daniele Fisher de Lima, contratada pela Secretaria Municipal da Educação, afirma que o tratamento a Marcelo é o mesmo que dispensa a outros alunos, "porque o aprendizado dele é igual ao de qualquer outro estudante". 

A pedagoga Miriam Simoni Zem acompanha o menino em sala de aula e acha importante esse reforço. "Ele aprende rápido, é inteligente. Com o auxílio da professora exclusiva tudo fica mais fácil, ela o estimula a responder às questões", diz. 

Em sua carreira de 6 anos como diretora, Cristiane Sueli Rautt tem experiência com inclusão educacional. Ela fica feliz com as mudanças positivas que observa nos meninos e meninas da escola. No começo, Marcelo em sua cadeira de rodas despertou a curiosidade dos colegas, cuja média de idade é de 10 anos. Depois, foram se aproximando, conversando, perguntando, aceitando que Marcelo era mais um deles. Hoje, acham o máximo tê-lo na turma. "Eles adotaram o Marcelo, que é muito educado", avalia Cristiane Sueli. 

Marcelo chega à escola por volta das 8 horas, como os outros colegas, levado pela mãe, que o cria sozinha. O que não faltam são braços para tirar e colocar o menino na cadeira de rodas, na hora do futebol ou para percorrer com o menino todos os cantos do pátio. Sua colega de classe Maria Augusta Polak, 10 anos, acha Marcelo muito legal: "É bom conviver com ele. Eu aprendo muito tendo uma pessoa assim do meu lado todos os dias". 

Marcelo é vaidoso. Na hora da foto, observa bem humorado: "Tenho motivos para sorrir, mas sério fico mais bonito". Ele não se contém e cai na gargalhada. Foi com seu genuíno sorriso de felicidade, aliás, que Marcelo fez novos amigos e conquistou seus professores. 

O professor Leonardo de Carvalho se emociona quando lembra das risadas de Marcelo, tentando fechar o gol, no "futebol caranguejo". "Não há dinheiro no mundo que pague o sorriso no rosto desse menino". A pedagoga Miriam Simoni Zem diz que sua grande recompensa diária é "quando chego à escola e vejo o sorriso com que ele me espera". 

Luiz Costa/SMCS


Gêmeos superdotados - Aos 4 anos, os gêmeos Leonardo e Eduardo Morzan França tinham comportamento de crianças bem mais velhas. Surpreenderam professores e atendentes da creche onde estavam matriculados pelo português correto, respostas prontas, comentários com informações e dados sobre os mais variados assuntos. Não se sabe como, estavam alfabetizados e sabiam fazer contas. 

Avaliações psicológicas e terapêuticas feitas pelo Centro Municipal de Atendimento Especializado (CMAE) Maria Cândida Fankin Abrão comprovaram que eles são crianças superdotadas. Ou seja, têm maior facilidade e rapidez de aprendizado do que os garotos de sua idade. 

Hoje, aos 9 anos, as notas das provas dos irmãos, matriculados na 3ª série da Escola Municipal Nossa Senhora da Luz, na Cidade Industrial de Curitiba, confirmam a condição de crianças especiais. No dia a dia eles se distinguem pela interminável vontade de ter respostas a uma só pergunta: por quê? A professora Rosana Assunção conta que "os dois sempre querem saber o porquê das coisas do mundo". 

Isso significa que os meninos exigem bastante da escola. A professora Rosana costuma, inclusive, fornecer aos irmãos material de leitura sobre temas extra-aulas e, em classe, dar oportunidade a eles de dizerem o que pensam. Tudo é feito para que eles se sintam apoiados e incentivados na busca constante de conhecimentos. Os meninos frequentam a Sala de Recursos de Altas Habilidades/Super Dotação do CMAE uma vez por semana. 

A diretora do Centro, Anne Maria Kottel conta que crianças como Leonardo e Eduardo precisam de reforço extracurricular proporcionado pela Secretaria Municipal da Educação, através da Coordenadoria de Atendimento às Necessidades Especiais (CANE). "É para que desenvolvam habilidades e canalizem seus interesses por atividades que enriqueçam seu potencial produtivo", afirma. 

Os gêmeos têm muitas idéias para pesquisa e produção, que apresentam na sala de aula. A professora Elizabeth Minetto cuida de selecionar os temas para definir quais podem interessar mais os estudantes do Centro e reúnem as melhores condições para serem desenvolvidos. 

Como outros meninos de 9 anos, Leonardo e Eduardo são apaixonados por futebol e frequentam uma escolinha de esporte. A diretora do CMAE Maria Cândida Fankin Abrão, Anne Maria Kottel, achou uma forma de usar o esporte como inclusão educacional dos irmãos. Impressionados com a figura do jogador Pelé, a quem admiram como um "embaixador da paz" no futebol, os gêmeos tiveram a idéia de fazer um trabalho sobre a Copa do Mundo, para promover melhor convivência entre os colegas da escola. 

Foi assim que nasceu a Copa CMAE "para a aproximação dos amigos", conforme descrevem. Depois de prepararem a tabela, Leonardo virou narrador e Eduardo, o responsável pela súmula dos jogos, conta a diretora. O trabalho mobiliza os estudantes em pesquisa sobre o histórico do futebol no mundo, principalmente no Brasil, e estão previstas visitas a estádios e entrevistas com personalidades curitibanas do esporte. 

Dona de casa, a mãe dos gêmeos, Luciane França, aprendeu com as psicólogas do CMAE a lidar com situações da convivência com os filhos, que ela descreve como "terríveis", como sinônimo de inquietos, sem parada: "Eu só tenho o que agradecer pelo suporte que a Prefeitura me deu através do Centro. Eles me ajudam a lidar com os meninos no dia a dia e a incentivá-los sempre, mas nunca esquecendo que eles são duas crianças e não precisam de muitas cobranças".

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