Hoje entrevistamos a Professora Ieda Maria Maia que nasceu com a missão de ensinar pessoas com deficiências a viverem de uma forma melhor nesse mundo, quando ela tinha quatro anos, dizia para sua mãe: “_Mãe quando eu crescer vou trabalhar com gente torta”, mas o que ela encontrou pelo caminho foram como ela disse grandes mestres.
A vida segue: Como você se chama?
Ieda: Ieda Maria Maia.
A vida segue: Qual a sua formação acadêmica e onde você trabalha?
Ieda: Sou educadora física, terapeuta holística, pós-graduada em acupuntura e educação física adaptada, formada em dança clássica e começo agora um curso de psicanálise. Trabalho nas Casas André Luiz em Guarulhos-SP, instituição que abriga cerca de setecentas crianças com deficiência em regime de internato e quinhentas a nível ambulatorial.
A vida segue: Seu trabalho é voluntário?
Ieda: Eu fui por treze anos plantonista voluntária de final de semana e há vinte anos sou contratada.
A vida segue: Você foi a idealizadora do projeto de dança das pessoas com deficiência nessa entidade?
Ieda: Sim, tudo começou há 16 anos quando uma das cadeirantes, Aparecida Martins que era interna e desencarnou há quatro anos, veio falar comigo e me disse que estava chegando a festa Junina e nunca tinham feito nada com os cadeirantes e que eles apenas ficavam olhando os amigos que andavam dançar.
A vida segue: Qual a sua reação?
Ieda: Eu banquei a doida e montei uma quadrilha de cadeira de rodas, com direito a noivos, padre, casamento, enfim, tudo igual a uma quadrilha normal.
A vida segue: Foi aí que você percebeu que não dava mais para parar?
Ieda: Sim, no mês seguinte montei a Cia de Dança, não sabia que existia nada nesse sentido, então três meses depois chegou às minhas mãos um jornal chamado Superação de Niterói, o qual falava sobre o grupo da Rosana Barnabé, telefonei para ela, combinamos e fui para lá, onde passei quatro dias conhecendo o trabalho dela.
A vida segue: O que você aprendeu de imediato com a Rosana Barnabé?
Ieda: Muitas coisas e me lembro de que na despedida ela me disse “_Boa sorte Ieda, os meus são apenas deficientes físicos, têm pais, vão às praias, cinema e escola, porém os seus são deficientes físicos e intelectuais e ainda são também institucionalizados, vá enfrente e jamais desista”.
A vida segue: Quando foi a primeira apresentação externa da Cia de Dança?
Ieda: Em novembro de 1991 fizemos nossa primeira apresentação externa com sete bailarinos: Meire, Ana, Maria, Janderson, Manoelito, Gisele e Lurdinha, todos eram cadeirantes, menos eu que dançava junto. Foi uma loucura, o preconceito rolou solto, todos os outros grupos eram de pessoas com deficiências mentais, auditivos, visuais e o nosso era deficiência associadas, três deles tinham paralisia cerebral, esse evento foi no dia da comemoração da pessoa com deficiência.
A vida segue: Como foi a recepção da apresentação pela a plateia?
Ieda: Todos aplaudiram muito e quando estávamos saindo, um homem de terno se aproximou me parabenizando e falou: “professora adorei seu trabalho, mas tem certeza que como estamos próximos do ano eleitoral você não quis apelar?” Fiquei doida.
A vida segue: Qual foi sua resposta?
Ieda: Respondi que aquela era a minha realidade que amava o que fazia e que certamente os bailarinos apesar da condição motora que apresentavam tinham mais dignidade e moral que muitos políticos que só prestigiavam o evento quando lhes interessavam. Então veio a saia justa, uma mulher se aproximou e pediu que ele me desse um cartão, pois se precisasse de algo poderia recorrer a ele, quando li o cartão, ele era assessor do prefeito de Guarulhos (risos), mas mantive meu discurso e tempo depois ele foi uma das pessoas que mais nos apoiaram.
A vida segue: Como foi recebido seu projeto da Cia de Dança pela instituição?
Ieda: No começo foi um misto de encantamento e pavor, pois são muito paternalistas e achavam que por conta da coreografia se encerrar com minha parceirinha no meu peito poderia despertar a sexualidade neles, mas depois virou cartão postal da instituição.
A vida segue: De onde vinham as inspirações para a criação das coreografias?
Ieda: Posso lhe afirmar que a maioria das coreografias era de autoria dos próprios bailarinos, eu pedia que pesquisassem, conversassem com as pessoas sobre sentimentos, como tarefa eles tinham que assistir a TV Cultura, Globo repórter, O Fantástico e o Jornal Nacional, quando apareciam dúvidas sobre o que assistiam colocávamos em discussão os temas não entendidos e daí saiam as coreografias. O filme Ghost foi trazido por um dos meninos cadeirante, com paralisia cerebral e deficiência mental moderada, na coreografia a cadeira de rodas era a mulher amada.
A vida segue: E a coreografia sobre o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos?
Ieda: Uns achavam que os EUA eram culpados, outros achavam que eram os mulçumanos, então montamos um cenário de guerra onde os alunos lutaram por quase duas horas. Esqueceram-se do cantinho da paz, perguntei-lhes sobre isso e ficaram sem graça e responderam assim: “_ Ieda me sinto como um animal, mas o animal mata para saciar a fome e o homem mata porque se sente bem,” outra disse: ”_ Deus não manda a guerra, somos nós quem a fazemos”. Ainda tive outra resposta: “_Quando alguém diz que vai a guerra por amor a pátria é mentira, ele vai por orgulho e desejo de matar.” Dessa forma saiu a coreografia.
A vida segue: Quanto tempo ficou a frente da CIA?
Ieda: Fiquei a frente da Cia por 17 anos?
A vida segue: Compartilhe, por favor, conosco a experiência sobre o trabalho no palco da paz.
Ieda: Era final de Copa do Mundo, jogaria Brasil x França, no mesmo dia tinha esse evento em comemoração ao dia da arte inclusiva, fomos convidados e causamos polêmica por entrarmos em cena vestido com camisa de força, mas a coreografia era montada por eles, o tema era: Descoberta Intima. Lá fomos com uma estagiaria que fazia parte da peça Noturno, do Oswaldo Montenegro, era ela a nossa consciência e íamos nos desfazendo das amarras a medida que íamos nos conhecendo interiormente. Sempre foi uma luta muito grande porque eram descriminados por terem deficiências mentais e serem institucionalizados, mas eles venceram, participamos de vários eventos, desde nacionais a latinos realizados aqui no Brasil.
A vida segue: Os talentos de seus alunos eram descobertos a cada dia?
Ieda: Sim, o Manoelito que fez o Ghost, era poeta também, então todas as vezes que dançávamos iniciávamos uma nova poesia dele, dançamos tango, bolero, músicas clássicas como Valsa de flores, A morte do cisne negro, montamos um mini Quebra nozes e tantas outra que eles quiseram, ele foram meus mestres.
A vida segue: De onde vinham os recursos financeiros para montarem as coreografias?
Ieda: Ah querida! No começo com retalhos de tecidos, depois que começou a repercutir a Casa dava verbas para os figurinos, com o passar do tempo a Bardella doou Cadeiras de rodas e a empresa Rio Negro nos deu R$10.000,00 para gastos com tecidos e alimentação, mas na maioria das vezes a verba vinha da própria instituição. Quando fomos à Joinville e ao Rio de Janeiro fomos patrocinados pelos responsáveis pelos eventos e em outras cidades também.
A vida segue: O que acrescentou no seu crescimento pessoal o fato de trabalhar com pessoas especiais?
Ieda: Acho que reencarnei para esse aprendizado, não sei se conseguiria trabalhar com pessoas sem deficiência, eles me ensinaram que devemos ser considerados pelo o que somos e não pelo que temos, apesar dos preconceitos somos filhos De Deus e temos nossas potencialidades, aprendi que a vida é simples basta não complicá-la e que se estamos em algum aprendizado difícil o mais importante é acreditar que tudo passa confiando sempre em Deus, isso é o mais importante. Hoje sei que todos nós por mais comprometidos temos uma alma que vibra amor, alegria, saudade, dor, raiva, mas acima de tudo garra para continuar vivendo e aprendendo. São tantos ensinamentos que tive e continuo tendo que eu ficaria horas contado.
A vida segue: Vocês passaram por momentos difíceis de aceitação?
Ieda: Nas primeiras apresentações muitas pessoas choravam por piedade, outros nos deram as costas, outros falaram a seu filhos “_Está vendo, se você não obedecer e me respeitar ficará como eles.” Os meus bailarinos quando viam as pessoas chorando ficavam felizes por acharem que as pessoas tinham gostado, eu fui franca com eles e juntos fomos superando esses momentos. Em 1998 aconteceu o festival Very Special Arts no SESC Pompéia, festival latino americano e lá fui eu e a estagiaria com um álbum de fotos na mão tentarmos fazer a inscrição, ficamos o dia todo lá e não queriam nos aceitar por sermos institucionalizados, continuamos lá e de repente o Ivaldo Bertazzo, que tinha sido meu professor, apareceu ali, pois seu espetáculo daria inicio uma semana depois desse evento, ele ficou tão indignado que foi conversar com o responsável e fomos aceitos, mas não para dançarmos no palco, mas em uma área a parte, quando terminamos de nos apresentarmos um dos jurado nos chamou e nos deu o certificado de grupo profissionalizante e no dia seguinte dançamos no palco, era puro preconceito, continuamos caminhando sempre com as melhores intenções e estudando muito.
A vida segue: Como era dançar nos palcos junto com seus bailarinos?
Ieda: Fantástico, inimaginável, você emprestar seu corpo para alguém dançar é maravilhoso, divino, tive um bailarino com paralisia cerebral que ao assistir a dança dos famosos no Faustão veio me pedir para dançar um bolero com ele, já tinha até escolhido a música Perfídia de Luiz Miguel, como ele tem disfagia e estava na lista para ser sondado, não tive dúvida, eu tinha que realizar o sonho dele, montamos a coreografia; eu entrava de ponta cabeça na cadeira de rodas e ele com o transfer, aparelho de locomoção fisioterápico que dá condições ao cadeirante, no meio nos encontrávamos e dançamos por cinco minutos em pé e depois ele ia para cadeira de rodas para continuarmos a coreografia, foi mágico para nós dois e hoje agradeço a Deus por ter realizado seu sonho, pois ele continua comendo via oral.
A vida segue: A interação com o público mudou com o tempo e a experiência adquirida?
Ieda: Sim, o público enlouquecia, pois ali diante deles existiam vencedores de obstáculos, superação se si mesmo, a Meire que era minha parceira se apresentou no programada Ana Maria Braga quando ela ainda trabalhava na Record, o Manoelito no programa da Claudete, na Band foi o grupo todo. Enfim, rodamos muito.
A vida segue: que sentimento você podia perceber em seus bailarinos.
Ieda: Confiança, gratidão e mais encorajamento para seguir em frente.
A vida segue: Por que você não está mais a frente da CIA?
Ieda: Adquiri muitas lesões musculares, retirei o menisco medial do joelho direito devido a um acidente de trabalho em uma apresentação, hoje a Cia está com a Danielli que indiquei para ficar no meu lugar, meu corpo ficou muito lesionado e era hora de passar esse trabalho para alguém mais jovem e buscar novos aprendizados.
A vida segue: Deixa uma mensagem para nossos leitores, por favor, Ieda.
Ieda: Jamais devemos desistir da vida, principalmente quando nos deparamos com pessoas com deficiência, pois apesar do comprometimento motor que apresentam ou uma mente aparentemente bloqueada ou alguém que jamais verá a luz do sol ou ouvirá o cantar dos pássaros temos diante de nós um ser humano com suas potencialidades, sentimentos de amor, raiva, sonhos, desejos, esperanças, saudades, magoas, enfim, todos têm de dentro de sim, uma bailarina, um poeta, um músico, basta deixar se liberar. O melhor da vida é sermos considerados pelo que somos e não pelo que temos porque a vida é simplesmente vida e é para ser vivida e sentida em sua plenitude
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