Trabalhar música, dança e teatro com alunos surdos ainda é raridade. Conheça três exemplos de professores que fazem isso com qualidade
Camila Monroe (camila.monroe@abril.com.br). Colaborou Beatriz Vichessi, de Goiânia
PROTAGONISTAS E COADJUVANTESNa EE Clarisse Fecury, em Rio Branco, alunos surdos participam normalmente das classes de Teatro do 5º ano. A garotada já fez peças sem diálogos, espetáculos de dança, cenas usando libras e montagens com falas. "Explorar as possibilidades permite que todos sejam protagonistas. Do contrário, os surdos só interpretam papéis coadjuvantes", diz Simone Araújo da Costa, a professora, que conta com a ajuda de uma intérprete.
Vale lembrar que foi só em 2005 que entrou em vigor a lei que garante o direito de ter um intérprete na sala de aula. Mas outra mudança, dizem os especialistas, também foi fundamental para aumentar a participação dos surdos nas escolas regulares. "As famílias estão mais conscientes sobre as possibilidades dos filhos. Essa mudança de postura foi a grande responsável pelo aumento do número de matrículas", diz Maria Sílvia Cárnio, coordenadora de um grupo de teatro com surdos e docente do curso de Fonoaudiologia da Universidade de São Paulo (USP). "Ser participante de uma manifestação artística melhora muito a visão que o aluno tem de si próprio. No palco, ele está no centro e se sente ainda mais integrado", completa.
No dia a dia, há outros benefícios importantes. O teatro auxilia também no aprendizado da Língua Portuguesa. "A leitura das peças melhora a escrita e ajuda a entender as regras gramaticais, a ampliar o repertório cultural e a desenvolver a oralização daqueles que conseguem falar", destaca Maria Sílvia. Em Rio Branco, todos têm muito contato com a língua escrita: ao apreciar montagens em vídeo, acompanham as histórias com legendas e, ao ler textos teatrais, aprendem a importância da pontuação para transmitir as ideias - como não existem pontuação e entonação em libras, aprender o português formal não é tão simples para os deficientes auditivos.
Ensinar música para surdos pode parecer muito difícil. Mas basta lembrar que Beethoven (1770-1827) se tornou um gênio do cenário erudito depois que perdeu a audição. Por não ouvirem, os surdos têm os outros sentidos mais aguçados, o que lhes permite, por exemplo, captar com relativa facilidade as oscilações geradas pelas ondas sonoras. É por isso que eles conseguem notar a aproximação de uma pessoa. E é essa vibração a chave para atividades com instrumentos em classe.
A EM Severino Travi, citada no início desta reportagem, faz isso há algum tempo com a garotada de 5º ano. O professor Rogério Heurich é também o maestro da fanfarra da escola, que conta com a participação de vários estudantes deficientes auditivos - quase todos eles tocam instrumentos de percussão.
No início, os gestos usados para reger se confundiam com os sinais de libras. Junto com o intérprete da escola, ele bolou um jeito diferente de reger e acabou com os problemas de comunicação (leia mais na legenda da foto da página seguinte). "A surdez não é uma barreira. Como esses meninos são mais sensíveis às vibrações sonoras, conseguem grande precisão na hora de usar a força", explica Rogério.
NOVAS FORMAS DE COMUNICAÇÃOA maior dificuldade do professor Rogério Heurich nas aulas de música era se comunicar: os sinais usados pelos maestros eram difíceis de entender para os jovens surdos da EM Severino Travi, em Canela, no interior gaúcho. Com o auxílio da intérprete, ele criou gestos especiais, misturados com libras. "Agora que o ano está terminando, eles nem precisam mais que eu aponte os erros. Às vezes, ajudam os colegas ouvintes a entrar no ritmo", orgulha-se.
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